segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Carta do Aluno: Paulo Roberto Sales Neto a coordenação do curso de História


Carta direcionada a coordenação do curso de História da Universidade Estadual Vale do Acaraú pelo estudante Paulo Roberto Sales Neto sobre o ensino de Historia desta universidade.



Sobral, 31 de Janeiro de 2012.

A Coordenadora do Curso de História da UVA
Professora Regina Raick

Sou estudante do 9° semestre do Curso de História desta IES, e confesso que esperei muito tempo, mas chegou o momento que considero oportuno para colocar algumas questões que me parecem não condizer com a real proposta do curso, que é a formação de professores.
Estou decepcionado em relação ao nosso curso, que vem priorizando a pesquisa histórica e minimizando a pesquisa sobre ensino de História. Quando me candidatei a uma vaga ao Curso de Licenciatura em História é porque optei por seguir a carreira do magistério, embora o caminho da pesquisa seja igualmente importante e deva fazer parte do trabalho de um bom professor.
Esperei que aqui, além de teoria da história, encontraria também amplo debate em torno da teoria da educação. Porém, esse é um dos temas que menos se debate nas disciplinas, mesmo naquelas relacionadas ao ensino de História. Quase nada vimos a respeito de didática. Acredito se tratar de um assunto muito importante para um profissional da educação e que merece atenção por parte do nosso curso. Ouço constantemente de meus colegas - alguns já são professores(as) - suas reclamações e decepções, no que tange a formação, referente ao Curso. Muitos ainda não enfrentaram uma sala de aula, e desconhecem a realidade social e psicológica que os esperam.
Coloco abaixo alguns pontos que ratificam o que coloquei nos parágrafos anteriores:

a)    O(a)s professores(as) do colegiado do Curso não desenvolvem pesquisas tendo a escola como laboratório (pelo menos não conheço nenhum projeto finalizado ou em andamento). Poucos dos docentes conhecem a realidade do ensino nas escolas públicas, no entanto, estão nos preparando para esse mercado, o que a meu ver, compromete a formação dos professores para o ensino básico. Como pode professores(as) formar outro professor(a) para uma realidade desconhecida? Têm eles autoridade para essa formação? E por que poucos optam pelo ensino nas escolas de ensino básico, já que são ou deveriam ser formados para este fim?  Realmente estamos sendo preparados e formados para enfrentar a sala de aula? Que profissionais estão sendo formados? Que contribuição daremos para a emancipação de indivíduos? Nossa formação no Curso de História servirá somente para concorrermos a uma vaga para admissão como graduados em outros Cursos, que possivelmente seja mais valorizado que História, ou receberemos melhores salários? É isso que vêm acontecendo com vários colegas nosso. O que nossos professores(as) e nossos colegas fazem enquanto indivíduos que estão formados para trans(formar) a sociedade? Somos meros observadores de uma realidade passada?
    
b)  O LEAH (Laboratório de Ensino e Aprendizagem de História) quase não funciona, e muitos dos alunos(as) e até professores(as) não participam para que o mesmo funcione. Alguns desconhecem sua existência. O LEAH deveria ser tão importante quanto o NEDHIS (Núcleo de Estudos e Documentação Histórica). Muito se fala dos problemas da educação básica, no entanto a universidade é a formadora desses professores(as) que lá estão e cabe a ela parte do fracasso da escola. Ou não? Defendo que deveríamos possuir um laboratório de livros didáticos, para que durante a graduação pudéssemos manuseá-los com frequência, aprendendo dessa forma a fazer boas escolhas. Pois na escola seremos nós, professores, que escolheremos os livros que iremos trabalhar em sala de aula. Não tivemos nenhuma disciplina que nos dessem ferramentas para elaborar planos de aulas mais dinâmicos, didáticos e atraentes. Ah! Ainda não sei como preparar um plano de aula, irei usar o senso comum?

c)      Os trabalhos de conclusão de Curso pouco tratam do ensino de História, pois sinto que não estamos em um curso de Licenciatura e sim em um Curso de Bacharelado (que por sinal é muito importante também!). A maioria das monografias se volta a pesquisas históricas que pouca, ou nenhuma ligação tem com educação, com formação de professores, com ensino de história etc.

d)     O livro didático, que é uma das principais ferramentas do professor(a) do ensino básico em seu trabalho cotidiano, quase nunca é trabalhado em sala de aula nesse Curso, quando se deveria usá-lo constantemente, pois este é uma grande ferramenta para o ensino, como sabemos. Das 45 disciplinas da grade, apenas em uma disciplina o professor trabalhou com o livro didático, nas demais só trabalhamos com textos teóricos, sem conexão com a escola.

e)     Tenho colegas que durante a graduação se tornaram professores (assim como eu) e tiveram contato com uma realidade muito diferente da que se discute na universidade. Tenho outros que somente irão ter experiência de sala de aula depois de concluído o Curso e certamente se surpreenderão. E tem outros ainda que nunca lecionaram e nem tem pretensão. Estes tentarão uma formação em outros Cursos? Como se explica isso? E os investimentos governamentais aplicados em nós? Como fica o restante da sociedade que (in)diretamente nos financiou? Precisamos dar uma resposta.

f)       As disciplinas de estágios, que é a forma de aprender na prática, ainda são poucas. Eu fiz apenas o 1° estágio em sala de aula no 7° semestre e espero fazer o 2° no 9° semestre. Não consigo compreender, embora alguém ainda possa me convencer, como professores(as) universitários(as), formadores(as) de professores(as) para a educação básica, desconhecem  o mundo da escola, como esta vem avançando, vem retrocedendo com seus problemas e desafios. Qual a legislação da educação? Existe? Não deveríamos pelo menos ter conhecimento superficial dessa legislação aqui na graduação? Tivemos um único trabalho sobre a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), o que é pouquíssimo.

g)     Os grupos de estudos, os mini-cursos e as bolsas de iniciação científicas que tive oportunidade de participar ou de conhecer, pouco espaço deram e dão ao ensino de História. Penso todos os dias que ao sair daqui enfrentarei uma sala de aula com uma média de 40 adolescentes ou mais, e não consigo encontrar subsídios para desenvolver meu papel de professor com apenas as teorias históricas, infelizmente. É preciso as teorias da educação, e é na universidade que esses subsídios devem ter início. Ou não?

h)     Autores conhecidos que servem de referência para a formação de professores, como Paulo Freire, para citar esse que conheço, nunca foram trabalhados durante minha carreira acadêmica. Penso que por se tratar de um Curso de licenciatura, existem conteúdos iguais para todos os Cursos de formação de professores(as), e não apenas as disciplinas de Psicologia da Educação I e II, que por sinal foram dadas por pessoas que também não conhecem a realidade escolar. Repassando-nos apenas teorias.

Tenho muita preocupação com a minha formação, e com a dos meus colegas, a respeito da qualidade de profissional da educação. Pois acredito que para ser professor(a) não basta apenas saber o conteúdo, assim como os bons médicos poderiam ser também bons professores. É preciso saber expô-lo, saber ouvir e acima de tudo saber interagir o conhecimento trabalhado com o mundo que os cercam. O saudoso professor Gleison Monteiro coloca que um erro médico pode matar um paciente, mas um erro de um professor em sala de aula poderá matar uma geração inteira.
A escola coloca os professores(as) a novos desafios e cobranças diariamente, e esses são muito diferentes dos desafios de professor x alunos universitários. Considero que as discussões que fazemos a respeito de teoria da História (me refiro a todas as disciplinas que não tratam de ensino) são essenciais para esse Curso. Defendo apenas que haja um equilíbrio entre teoria, ensino e prática docente. Defendo que os professores do Curso de História da UVA, tentem em suas aulas relacionar o que se discute com a realidade escolar, com a vida de crianças e adolescentes que mais tarde estarão a nossa frente, inquietos e curiosos, e nós sem sabermos ao certo o que fazer.
Acredito que só há profissionais com excelência quando consegue unir teoria/prática, e a nossa prática é na escola, sem essa prática nossa formação é prejudicada, infelizmente. Embora tentemos justificar que o tempo da graduação seja pouco, é nesse pouco tempo que devemos ver a abrangência do conteúdo capaz de formar excelentes professores, o que a meu ver nos falta.



Paulo Roberto Sales Neto
Matrícula 08100006/N03